segunda-feira, 11 de maio de 2009

Escuridão temporária

Cansado de nada fazer. Cansado de ser nada. Cansado das coisas todas. Das boas e das más. Cansado dos medos. Os motivos são vários. Tantos. Não sei como enumerá-los, cansaria-me mais ainda se o fizesse porque não conheço todos os cansaços de que padeço. Bucólicos muros. Estranho-me. Não me posso adiar para outro século. Só tenho este. E é tão curto. Não sei nunca por onde. Vou daqui para ali apenas por ir. O espelho reflete um personagem sem face. Rosto sem expressão. Sou uma constante fractura exposta que não se trata. Apodrecendo. Corpo dorido de tanto desejar nada. A boca seca. Os dentes rangendo. Os dedos quietos. Dentro da pele preso a mim mesmo. Imóvel. Escafandro. Só os olhos têm ainda alguma frescura nas coisas que contempla, ainda que baço tudo seja. Paro e observo tal como um gato que está deitado ao sol. Gasto algumas das minhas horas assim, olhando ao redor. Respiro e deslumbro-me. Mas as nuvens pesam-me e cansado fico. A claridade confunde-me. O dia baralha-me. Ideias desconexas e desencontradas surgem na noite. Fantasmas de espírito acordam-me nesta escuridão temporária. A obscuridade nasce. Sou rato morto na boca do esgoto. Não sou o meu lugar. Não me sinto aqui. Simplesmente aceito tudo isto. Hei-de encontrar coerência em tudo e sentir o sabor de não estar só. Quero respirar mais alto.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

A Menina

Menina de olhar tão sério onde está esse sorriso
que não encontro?
Perdeste-o mas não sabes como?
Talvez o mar o tenha levado e algum ser das profundezas o tenha engolido,
talvez a felicidade esteja no fundo dos mares!
Será o teu sorriso um coral, um golfinho ?
Já pensaste bem?
Ou teria sido talvez uma águia que ao passar o roubou
e o largou ao vento para alguém o sentir.
Vês aquele homem que nunca sorria e agora que feliz está?!
Será o teu sorriso?
Talvez a felicidade esteja no céu... ou não!
Ou será o teu sorriso a nossa felicidade?
Pergunta ao vento que vive com ele, já pensaste bem?
Mas se o encontrares, diz-me, para te ver... e sorrir contigo.
Que adormeças agora... para que a gaivota te leve ao vento!
Mas se o vento já o teu sorriso não tiver,
procura então naqueles que bem te querem
e se sentires algum riso que te toque,
que te faça recordar a menina feliz , e sorridente
que um dia se tornou uma menina de olhar sério,
então já podes rir...
porque, o encontraste !

(Texto escrito aos 12 anos)

Também publicado no Blog Infantil.
Um Blog feito a pensar nas crianças. Visitem.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

terça-feira, 5 de maio de 2009

Um adeus

Estava um dia de chuva. O sol à espreita como quem não quer aparecer. E a brisa de tão leve que era nem parecia vento. Na rua vazia o som da chuva a poisar no caminho fazendo círculos. Entrei no café de sempre. Procurei uma mesa ao canto onde pudesse ver tudo à minha volta sem que reparassem em mim. Cheguei mais cedo do que o combinado, talvez uma meia hora mais cedo. Ela chegou passado uma hora. Entrou. Aproximou-se calmamente pousando as chaves em cima da mesa e, sem me olhar desde que entrara, disse: "estou cansada de ti". Respondi-lhe: "mais tarde ou mais cedo toda a gente se acaba por cansar dos outros" Não me olhou, disse adeus e saiu calmamente, tal como entrára. Acabei de tomar o café já frio, gelado como o adeus e saí sem pressas. Entrei no carro, liguei a ignição, o rádio, arranquei em direcção a casa pelo caminho mais longo. Pelo caminho que nunca fizera. Pelo caminho que nunca esperaria fazer. Não tinha pressa. Hoje, também não tenho pressa . Quando chegar a casa, sei que não vou ter ninguém à minha espera.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Da liberdade...

Na liberdade descobri espaços
Livre de grilhões e de medos
Abri os braços como um desdobrar de asas
Gritei ao mar e ao céu
Senti-me pequeno, mas livre
Caminhei firme e com vigor
Como alguém que procura o sonho
Senti o pulsar da minha alma
Senti o rasgar da pele
Senti em mim sangue novo
Voltei a ser eu !

Sinto-me fraco mas livre
Passo a passo, encontrarei o caminho
Que me há-de, em triunfo, conduzir à vida
Mas sigo... sozinho !

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Ser Poema

O poema acontece
No silêncio da madrugada
Na breve manhã,
Ao cair da noite,
A qualquer hora...o poema acontece !

Letras soltas que se constroem em palavras mágicas
Das emoções que nos rodeiam, sejam de dor
De mágoa
Tristeza
Lágrima
Ou mesmo de felicidade
Do riso
Do amor
Da inocente mentira
De toda a verdade
Assim...o poema acontece !

O poema acontece !
Sem hora marcada
Sem princípio meio e fim
Nasce de tudo e de nada

O poema não tem regras !
Tem sentimentos e, mais nada.
O poema é emoção
A emoção é poder
Basta uma imagem que nos desperte, para ser poema
Ou mesmo canção que é poesia cantada
Assim...o poema acontece !

quarta-feira, 22 de abril de 2009

O Mistério do Nº 52

Não sei se conseguirei aqui descrever o que se passou ou o que ainda se passa por detrás da famosa porta Nº 52. Mas sou o único que o pode fazer. Todos os que poderiam contar estão mortos. O diário em meu poder é a prova disso mesmo. Mais tarde ou mais cedo acabarei por contar e, acabarei por ter o mesmo inevitável fim. A morte. Por agora que perdure o mistério durante mais algum tempo para quem por lá passa e, que todos continuem a pensar que no estranho Nº52 já não mora ninguém.

---------------------(os cadáveres lá continuam a aparecer, um a um,
------------------sem sinal algum de violência...)

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Momento (II)

Uma vez chegado ao meu cais lanço a âncora e aguardo o momento. Descanso-me. Passeio os olhos nas sombras dos gestos agitados dos náufragos que julgo ver. O mar revolto de cores insanas e gemidos-sussurros fazem-me estremecer o corpo e alma. Concentro-me antes que o delírio se apudere de mim. Sossego-me. Preparo-me. Fotografo o momento. E volto a partir.

sábado, 18 de abril de 2009

Amanhã

Não te quero ouvir novamente dizer que as coisas amanhã vão mudar. Falas como se o terminar do dia te permitisse ver o amanhã.
O meu destino está fora de mim.
O teu destino não sei se fará parte do meu.
Ninguém sabe nada do amanhã. A única certeza que temos é que o amanhã é incerto. Não me inquietes mais com as coisas do amanhã.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

...

Tenho em mim um sentimento de tristeza profundo por não ter conhecido nenhum dos meus quatro avós. Já estava tudo morto quando nasci. Devo ter perdido muita coisa durante o meu crescimento sem eles. Histórias que não ouvi além de uma herança de palavras e gestos perdidos. Fiquei sem saber o real sentido da palavra neto e, isso não lhes perdoo. Escrevo isto enquanto as crianças brincam no jardim da praça sob o olhar atento e sorridente dos avós. É uma imagem agradável com a qual convivemos todos os dias. Um retrato onde nunca estive. Resta-me esperar para ver se algum dia vou ser avô antes de morrer.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Nem tudo acaba mal

A solidão é sempre menos sentida quando a luz do reclame luminoso da loja do prédio em frente se acende e entra através da persiana semi-aberta e da cortina fina quase transparente, acomodando-se na sala, no tecto, no chão. Os objectos; os quadros, as cartas fora da gaveta, os livros, ganham um novo sentido. Dá-nos um novo olhar sobre as coisas quando pelas paredes escorre a luz espaçada do néon a caminho do chão. Lembro-me que foi numa noite não muito diferente desta que tudo aconteceu. Os dois deitados no sofá, a luz apagada e a televisão acesa com o som no mínimo, as nossas palavras os nossos risos. Dizes: "vou lá fora comprar cigarros." Eu espero. As horas passam. E tu não voltas, e eu à tua espera. Pensei: "não se parte sem dizer que não se volta parece mal e não é bonito." Mas foi isso mesmo que aconteceu. Nunca mais voltaste. Pensava que a desculpa dos cigarros era só coisa dos homens. Enganei-me. A partir de então sempre que levava um cigarro aos lábios lembrava-me de ti. Acabei por deixar de fumar. E nunca mais precisei de voltar a usar as bombas de Ventilan. Obrigado Sara.

sábado, 11 de abril de 2009

Momento

O dia já não é tão claro,
a luz partiu com o fim da tarde,
e a noite adivinha-se com ar gelado
Do outro lado do horizonte
um repouso que se anuncia.

Retenho a memória viva
deste instante presente
nesta suave melancolia
que já é passado, nostalgia.

--------------(Toda a tranquilidade do mundo, como fundo)

Gaivota sentinela
de vigília à água escura
na serenidade do branco lunar
um bailado singular
cheio de harmonia

-------------------(Um momento de vida, luz e calmaria)

Estas nuvens que me sobrevoam
são poemas aéreos,
sonhos que todos nós temos,
a ecoar na imensidão!

Amem o momento
Silenciosamente...

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Menina de farrapos vestida

Lá vai a menina
de farrapos vestida
sozinha num beco
descalça e perdida

Sobre pedras e vidros
caminha a chorar
a pobre menina que
só quer a fome matar

Cansada e dorida
procura um cantinho
sem forças prá vida
só pensa num ninho

Não entende o abandono
não conhece a palavra Mãe
só quer que o sono
a leve para o Além !

Agora sim !
acordou num outro mundo
que sempre tinha imaginado
assim se deixou ficar presa ao sonho
a tentar descobrir como seria,
se algum dia tivesse sido criança,
ou sentir-se um ser amado.
Mas continua sem perceber a palavra Mãe !
Aos soluços lá está,
a menina de farrapos vestida

Só ela sabe o medo de acordar amanhã

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Espero - Sophia e Eu

"Espero sempre por ti o dia inteiro,
Quando na praia sobe, de cinza e oiro
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda."

(Sophia de Mello Breyner)

Haja o que houver...
eu espero por ti.
Os dias lá se vão passando.
Não sei contar os quantos
que ainda hão-de vir.
E com eles passam
os minutos em marcha lenta
dolorosamente lenta.

---------------------(Espero por ti)

Espero de ti uma,
fantástica vinda !

terça-feira, 7 de abril de 2009

O rochedo

Observo em silêncio
As ondas que se quebram mil vezes

-----------------------(é admirável a paciência infinita do rochedo)

A chave (II)

Ofereço-te a minha chave
E deixo que devagarinho
Entres no meu mundo

A chave (I)

Estou fora
Abro a porta
Fecho a porta
Estou dentro

sábado, 28 de março de 2009

Nego-me

--------------------------(Estive longe do reboliço dos horários,
--------------------das regras impostas no jogo diário.)


Voltar à minha realidade tem sabor amargo
É tão penoso que provoca a fuga constante.
Vou passar o tempo a negar todas as horas,
minutos e segundos dos dias que me restam.
Vou desejar não estar aqui.
Vou pensar que nunca voltei.

-------------------------(Não quero acordar, colocar os pés no chão
-------------------e voltar à rotina cinzenta dos dias...)

Vou negar o tempo que passa vagarozamente,
partir-lhe os ponteiros, quebrar-lhe as asas.
Posso fazer tudo isso e muito mais.
Mas nada do que faça adiantará,
porque voltar à realidade é, inevitável

-------------------------------(Excruciantemente inevitável)

Ana

Não te vejo
----Não te cheiro
-------Não te toco
----------Não te oiço

(Apenas te sinto nas coisas que me deixaste,
e nem tão pouco deixei de te amar)

Maldita sejas tu, ó Morte, por me a levares!
Maldita sejas tu, ó Vida, por me martirizares!

sexta-feira, 27 de março de 2009

O olhar dos teus olhos

Esse olhar fala-me de viagens.
De lugares distantes.
De vidas imaginárias.
De caminhos esquecidos.
De ilhas criadas.

São lugares onde voltas sempre.
(porque se volta sempre)

Olhar largo, límpido
Sereno e brando
Inocente, cativante
Olhar-Riso

Fecho os meus e busco os teus
(estou agora dentro dos teu olhos)

quinta-feira, 26 de março de 2009

Novelo

Acordei a cantarolar que nem um pardal ou um pintassilgo, ou seria mais, um canário de olhar esgazeado e voz rasgada, com letras de Mariza Monte e sonoridades de Devestations num quase-filme de Dead Can Dance com tímbalos a encerrar o show. Uma sensação estranha e nada normal, visto não fazer parte da rotina dos meus dias a boa disposição, alegria ou felicidade, ou outros adjectivos terminados em um, Smile. Este não é o meu acordar, definitivamente. Volto a deitar-me virado para lugar nenhum (o meu melhor lado) . Um emaranhado de visões à Maldoror, faz com que o cérebro pareça demasiado grande para o meu crânio. Algumas memórias atingem-me com a força de uma bola de demoliçoes. A memória tem essa força, quanto mais perturbadora mais persistente se torna. Fecho os olhos com força até doer e tento esvaziar a mente. Uma comichão no corpo se apudera de mim. Consolo-me até à chegada do sono.

quarta-feira, 25 de março de 2009

A Dança

Sempre que a música tocava lá vinhas tu preparada a desafiar-me para mais um pé de dança, sabendo bem que eu detestava, pois tinha os pés tortos para tal proeza da dança. Então desistias de mim facilmente e afastavas tudo do teu caminho. E eu, como de costume ficava deitado no sofá, deliciado a ver-te pela sala descalça em rodopios a dançar e a encantar. Nasceste com ritmo. Conhecias todos os passos de todos os géneros musicais. Nunca chegaste a saber o quanto me sentia infeliz por não te poder acompanhar nessa alegria da dança. Ver-te dançar foi uma das mais belas memórias que me deixaste ficar, e que me faz sempre sorrir. Acho que nunca te cheguei a dizer o quanto te gostava de ver assim, feliz.

terça-feira, 24 de março de 2009

O Medo

Todos temos medo.
Tudo nos mete medo.
Crescemos e vivemos na sociedade do medo.
Os políticos metem-nos medo com as promessas.
Os amantes metem-nos medo com as chantagens.
Temos medo porque nos estranhamos a nós próprios.
Temos medo porque estranhamos os outros.
Ter medo é uma defesa inconsciente.

Saudade

Sempre que passo na tua soleira
Recordo tempos nossos
Horas e horas de ditos simples.
E dessa simplicidade
Nasceu cumplicidade
Que perdura até hoje
Ficamos presos um no outro
Erguemos bem alto a bandeira
Do Amor e da Amizade.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Não Vida

Só queria que o tempo parasse para perceber o amanhã.
Como pode isso acontecer ?
É que tenho pouco tempo.
Planeei uma partida para me reencontrar
e retomar o meu caminho.
Mas que caminho ?
Falta-me a coragem de continuar nesta vida
que nunca a senti como minha.
Queria sim...outra !
Mas algo em mim se recusa e,
lamento-me pelo que fiz ...e não fiz.
Sinto-me cansado, dormente.
Talvez desequilibrado.
Já tudo fiz para esquecer mas mais confuso fico.
Onde raio vou eu parar ?
Talvez após morrer eu me possa reencontrar !
Mas não me posso abandonar sem primeiro me entender.
Só quero paz e calma...
na minha mente e na alma.
Apago a luz e adormeço.
Talvez amanhã.

sábado, 21 de março de 2009

Tempo

Tem um tempo que passa, e um tempo que não passa.
O relógio marcava nove e trinca e cinco, quando partiste.

Tenho uma caixa onde guardo as chaves com que davas corda ao nosso tempo. O único tempo que fazia sentido era aquele ao que tu davas corda. Abro-a quando tenho saudades do nosso tempo. Fecho-a, e os nossos corpos voltam-se a separar. Fecho-a, e o nosso tempo volta a parar. Uma caixa simples de chocolates que um dia te ofereci . Fecho os olhos e abro a caixa para te ter novamente comigo .Voltas a dar corda ao nosso tempo. Os nossos corpos voltam a reencontrar-se .

Tem um tempo que passa, e um tempo que não passa.
O relógio marcava nove e trinta e cinco, quando partiste

quinta-feira, 19 de março de 2009

Outra Noite

Alta vai a Noite
E no caminho
Já ninguém caminha
Fica a Noite sozinha
Nem o gato da vizinha
Nem o cão da minha tia
Nem os putos em correria
Nem uma pessoa se avista
Já ninguém caminha...
Traços marcados no caminho da Noite
De quem já caminhou de dia
Nem os bancos de jardim
Nem os candeeiros gentis
Nada...lhes faz companhia
Tudo parece pintado de cinza
E o caminho continua só
E a Noite vai passando sozinha
Quem caminhou...
Já não mais caminha
E assim a Noite passa
Sem ninguém no seu caminho
Nem prostitutas na velha esquina
Nem chulos em gritaria
Agora...sim
Já é dia...talvez logo...
A Noite não seja tão fria
Por agora...
Já toda a gente caminha
Até eu caminho !
O que as pessoas não sabem ...
É que a noite ...é sabedoria !
Que o diga , quem na Noite caminha
Eu...por lá já caminhei
Por isso sei !

Carta à Insónia

Cinco minutos depois das 6, canta a noite sem sono. E mais uma noite ! Deambulo pela casa já de madrugada , uma insónia que tome conta de min . Certamente, quando só no silêncio próprio da noite , inconscientemente acabamos por pensar , e pensar , e pensar ...com ou sem sentido , o que gostaríamos de ter feito, e deixamo-nos cair no esquecimento da hora. É nestas alturas que sentimos a vontade de tudo agarrar, e recriar ...os castelos de criança, já esmagados pelo tempo , falar àqueles que o próprio tempo fez desencontrar, reencontrar o amigo imaginário que fazia companhia quando a mãe apagava a luz do quarto. O medo do escuro deixava de existir ! A menina do lado ,de quem gostava, com quem brincava, sim...bela companheira , e depois penso !!! Poderia lhe ter dado um beijo !!! (se calhar toda a gente já fez esta pergunta !)

Talvez tenha sido melhor assim, ou sido o destino que assim quisesse . Passado estes anos todos, é um pouco estranho tentar encontrar respostas , onde sequer as perguntas já não fazem sentido algum. A nostalgia pode ser saudosa com riso , saudosa com choro, pensando bem... é o que nos faz mover no dia-a-dia (ou não) ! Tudo faz sentido , e ao mesmo tempo deixa de o fazer, olhar para trás e arrepender daquilo que não se fez, não é resposta a nada , a não ser ao nosso ego .E como a noite e o silêncio permite que eu veja as coisas de uma outra maneira ! (mas não será assim com todos nós ? )

Sento-me no sofá , leio mais um pouco, ligo a TV, e faço zapping, mais um cigarro , um copo de água , e a insónia ri-se como se de mais uma vitória tratasse...realmente, é uma vitória ! Pela varanda da sala, ouço ruidosamente o zumbido do reclame de néon e o piscar de luzes irritantes da loja de baixo, que me entram pelas persianas entreabertas. Levanto-me , pego numa maça, a única da fruteira, olho para o relógio, já é tarde, muito tarde, vou até à varanda . A chuva já se foi, a noite ficou amena, mais calma ,uma brisa serena com ecos me chama , é estranho ! Alguém com passadas largas passa do outro lado , cambaleando um pouco apressado, tentando se equilibrar , tenta se manter preso a uma linha traçada no chão pelo seu imaginário , para assim tentar se endireitar, mas o álcool não deixa. Perco-o de vista . Semáforo verde para os peões , uma carrinha em paragem brusca, por baixo da minha varanda, (lá pensou que conseguia passar a tempo...ou talvez tenha sido o cansaço a pregar partidas) . Enquanto espera pelo sinal verde, esboça um sorriso, e fala sozinho, (vá se lá saber em que pensaria), ao cair do sinal partiu acelerado, deixo de o ouvir lá longe, mas ainda pressinto as ténues luzes traseiras. Há vários minutos que nada acontece, a rua assim, é mais minha . Pequenas manchas no Céu parecem conter os traços de um rosto humano com várias feições ! Acabo o cigarro...volto para a sala...e reparo o mesmo de muitas outras noites...

Uma luz que se acende em frente ao meu prédio , o mesmo vulto de muitas noites , anda de um lado para o outro como se sentisse perdido, o mais certo é ser a tal insónia, a mesma que eu me debato. De dia mantém as persianas fechadas, à noite sobe-as , nunca percebi muito bem, se calhar vive de noite ! Nunca me cruzei com ele , estranho ! Só vejo esse vulto nas noites da minha insónia, estranho ! Ponderando bem...poderia ser a minha imagem reflectida no vidro da varanda !!! faz sentido...ou estou a ficar louco ?

Quanto tempo levará a passar a noite?
Talvez o mesmo de ontem !
Quantas marés terei de ondular
Para que ao meu " Porto " eu chegue .
Quantos desertos terei de atravessar
Entre tempestades de areia
E visões da minha imagem
Num Paraíso de ninfas...
Quantas mais insónias terei de suportar ?

O melhor é deitar-me e não pensar !
Para eu contar isto, é que conheço todas as horas de uma
"noite de insónia" !

Corpo

Só com o olhar te despi
Só com um dedo te senti
Nesse teu corpo exausto
Essa falsa beleza, em que eu não vi
mais, do que os teus medos e vícios !
Possesso agora fico, desse teu corpo sofrido,
És o desencanto
És o desespero
Abres as pernas
Gemes de gozo...
Gritas de raiva
Umas vezes violada
Outras...talvez amada
És tudo...e nada !
Puta...
Drogada...
Mas ainda és Mulher !
Vida malvada a tua
pobre de ti desgraçada,
Dói-te o vazio
Dói-te a miséria
Vagueias nas sombras...perdida
Em ruelas, becos , esquinas
Te vendes por um punhado de nada
Desses cabrões que te tomam
Como se fosses apenas um corpo...
mais nada !
Despejam o ódio em ti, crucificam-te em vida
Já nada sentes...falo por ti !
Ah ! Escumalha danada !
E agora teu corpo jaz,
numa cama de lama...
Puta de vida malvada !